Cérebro feminino tem área maior para solução de problemas e planejamento

Uma investigação científica brasileira identificou maior densidade neuronal no lobo frontal do cérebro feminino, região responsável por funções como resolução de problemas, planejamento estratégico e controle atencional. O estudo, publicado na revista Cerebral Cortex, analisou o tecido cerebral de 43 indivíduos post-mortem de diferentes idades utilizando uma metodologia quantitativa de alta precisão. 

Os pesquisadores utilizaram pela primeira vez o método “fracionador isotrópico” para comparar o número e a distribuição de células. Apesar de a massa cerebral masculina exceder a feminina em 15%, ambos os sexos apresentam, aproximadamente, 10 bilhões de neurônios corticais. Foram selecionados cérebros de pessoas que nunca receberam diagnóstico de transtornos neurológicos ou psiquiátricos, resultando na análise final de 32 cérebros masculinos e 11 femininos.

A técnica pioneira, desenvolvida pelos neurocientistas brasileiros Suzana Herculano-Houzel e Roberto Lent, permite cortar o cérebro em diferentes frações e estimar a quantidade de células no tecido cerebral. O trabalho resultou da colaboração entre Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Instituto Nacional de Neurociência Translacional e Universidade da Califórnia, em São Francisco.

O pesquisador do IDOR e do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, Roberto Lent, explicou à imprensa que análises anteriores sobre diferenças cerebrais entre os sexos haviam sido realizadas com técnicas menos precisas. 

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Distribuição de neurônios por região

O córtex cerebral abriga, em média, 10,2 bilhões de neurônios. A pesquisa indicou que, desse total, 34% se concentram no lobo frontal. Os 66% restantes se espalham de forma equilibrada entre os lóbulos parietal, temporal e occipital.

As diferenças entre os sexos se manifestaram em regiões específicas. Os cérebros masculinos apresentaram mais células neuronais no córtex occipital, área responsável pelo processamento visual. Por outro lado, os femininos demonstraram maior densidade neuronal no lobo frontal, região responsável por funções executivas superiores.

Estudos anteriores do mesmo grupo já haviam detectado que os cérebros femininos apresentam 50% mais neurônios no bulbo olfatório, área especializada no processamento de sinais moleculares do olfato. Já os masculinos apresentam 34% mais neurônios no lobo temporal medial.

Memória feminina e hormônios

Outra pesquisa, publicada no periódico científico JAMA Neurology, reforça as diferenças cognitivas entre os sexos ao indicar que a memória feminina pode superar a masculina. O trabalho examinou 1.246 pessoas com habilidades cerebrais normais, de ambos os sexos, com idades entre 30 e 95 anos.

Os dados indicaram que, embora a memória comece a diminuir a partir dos 30 anos para todos, a memória masculina apresenta piora mais acentuada após os 40 anos. 

A terapia de reposição hormonal de estrogênio, utilizada durante a menopausa, foi identificada como forte candidata à responsável por essa vantagem feminina na manutenção da memória. O estrogênio atua nos neurotransmissores que levam informações ao cérebro, auxiliando na preservação das funções cognitivas. 

Além da terapia hormonal, pesquisadores avaliam como suplementos específicos, incluindo a creatina para mulheres, podem complementar a manutenção das funções cognitivas femininas. Entre os benefícios está a melhora do desempenho cerebral ao diminuir a demanda por oxigênio e reduzir a fadiga mental, além dos efeitos anti-inflamatórios que favorecem a memória de trabalho. 

Estudos indicam, ainda, que a substância pode ser candidata na pesquisa sobre prevenção de doenças como Alzheimer. Contudo, o uso deve ter recomendação médica para avaliar dosagem adequada e possíveis contraindicações. 

Implicações para saúde cerebral

Os achados das pesquisas têm consequências diretas para compreender como nutrir adequadamente o cérebro feminino. Evidências anteriores sugerem que suplementos como o metilfolato melhora a saúde cerebral, especialmente na prevenção de problemas como depressão e demência, condições que afetam mais frequentemente as mulheres. A consulta à especialistas é sempre necessária.

As diferenças estruturais identificadas também podem esclarecer por que certas doenças neurológicas têm prevalência distinta entre os sexos. Condições como transtorno depressivo, transtornos alimentares e Alzheimer incidem mais em mulheres, enquanto transtorno do espectro autista, esquizofrenia e TDAH predominam em homens.

Preservação neuronal com a idade

O estudo brasileiro demonstrou que há preservação do número de neurônios em todo o córtex com o aumento da idade. Embora ocorra diminuição da massa cerebral durante o envelhecimento, o número de neurônios permanece relativamente estável, com redução apenas nas células de suporte, como as células da glia.

Essa preservação pode explicar a “reserva cognitiva” que caracteriza alguns idosos capazes de manter capacidades cognitivas intactas até idades avançadas. A reserva cognitiva pode ser estimulada em qualquer idade através de aprendizagem constante, estudos ao longo da vida, leitura, escrita, exercício físico e interação social.

Resiliência cerebral e envelhecimento

Já outro experimento, este com camundongos, publicado na Science Advances, oferece pistas sobre por que o cérebro feminino demonstra maior resistência durante o envelhecimento. O estudo mostrou que o processo de envelhecer ativa genes normalmente silenciados em células do hipocampo, região responsável por formar e consolidar memórias.

A diretora do Centro de Estudos sobre o Genoma Humano e Células-Tronco da Universidade de São Paulo (USP), Mayana Zatz, explica que essa diferença pode estar relacionada à presença de dois cromossomos X nas fêmeas. Embora um dos cromossomos X seja inativado durante a embriogênese, cerca de 100 genes do cromossomo aparentemente inativo apresentaram maior expressão em fêmeas mais velhas quando comparadas a animais mais jovens.

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